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Festival de Jazz Robalo 2019


Com dois anos de vida o festival Robalo vem-se impondo como um festival de Jazz alternativo, com propostas modernas, com frequência de contornos experimentais. Impulsionada por Gonçalo Marques e Demian Cabaud, dois dos mais profícuos e sólidos músicos de Jazz nacionais, a Robalo começou por ser uma pequena editora onde os autores têm podido editar os discos que não encontram no mercado acolhimento.
Em 2019 o Festival Robalo consolidou uma frutífera parceria com a Antena 2, expandiu-se para o norte em colaboração com a Associação Porta-Jazz, e encontrou novos espaços também em Lisboa; mais de duas dezenas de concertos.

Apenas assisti a alguns dos concertos do Auditório do Liceu Camões, em Lisboa.

O Festival Robalo foi inteiramente registado e emitido pela Antena 2 que disponibilizou online todos os concertos, que podem ser vistos e ouvidos AQUI.
A posterior audição dos concertos levou-me a questionar a percepção do que tinha ouvido, levantando-me uma vez mais a questão da injustiça que pode ocorrer numa audição crua. A acústica da sala, e o envolvimento (e dispersão) a que o auditor é sujeito numa sala de concerto ou, pelo contrário, a captação directa de alguns instrumentos e a (melhor ou pior) captação «analógica» de outros via microfone, instiga audições diferentes.
As segundas (e terceiras) audições levaram-me a reescrever todos os textos.

Jacob Sacks piano solo.
Um dos convidados da Robalo foi Jacob Sacks, pianista novaiorquino que tem sido um dos convidados dos discos de Gonçalo Marques.
Jacob Sacks é um pianista com uma inteligência harmónica extraordinária. A Robalo ofereceu-lhe a abertura do segundo dia do Auditório Camões, num piano solo de uma hora. A música flui dos dedos de Sacks como se lhes pertencesse, naturalmente, serena ou tumultuosa, naturalmente. Fragmentos de standards intrometem-se nas improvisações ou alongam-se e transformam-se, livres, denunciando a natureza da erudição do piano e o oceano de recursos formais de Jacob Sacks. A erudição!; pela forma e pelo génio compositivo de Jacob Sacks podemos entrever a paternidade de Thelonious Monk, Lennie Tristano, Paul Bley ou mesmo Cecil Taylor e… Bill Evans, mas há algo de muito pessoal na serenidade como os seus dedos abordam as teclas, como se elas fossem apenas e não mais que o seu prolongamento.
Uma hora, menos de uma hora, muito pouco, porque poderíamos ficar a ouvir Jacob Sacks o resto da noite.

Tripeiros.
Fruto da colaboração com a Porta-Jazz, os Tripeiros são um grupo de dois veteranos e três jovens músicos, onde ficou claro o elevado nível dos músicos do norte. Os veteranos são João Pedro Brandão, saxofonista e o autor do grosso das composições, e Demian Cabaud; e os jovens são Miguel Meirinhos, pianista, Hugo Caldeira, trombonista, e João Cardita na bateria. Note-se a presença de um trombone, instrumento raro nas bandas de Jazz a sul do Porto.
Mesmo se estes Tripeiros não possuem a densidade do Coreto, esta é uma música consistente, a confirmar Brandão como um compositor moderno e engenhoso, com os jovens a responder com acerto na interpretação, mesmo nos momentos mais dissonantes, e nas improvisações, comportando-se como um genuíno grupo, e apenas denotando a juventude na comparação com os superlativos Brandão e Cabaud.

João Lencastre «Parallel Realities»
As referências do Parallel Realities de João Lencastre são claramente o free jazz radical dos anos 60, mas nada parece ter acontecido depois. Tudo se resume à construção de ambientes sonoros, a tensão-repouso que caracteriza aquela free, com ténues composições e os músicos em roda livre, respondendo apenas a estímulos de volume de som ou velocidade. «Improvisação livre», massa sonora densa, que procura envolver o auditor, mas a que lhe falta subtileza e profundidade. Tudo soa como se pudesse ser aquilo ou outra coisa qualquer, não há notas certas ou erradas, não há notas, apenas sons.
Dir-me-ão que os boppers andam a tocar a mesma coisa há décadas, o que é verdade, mas até mesmo o mais conservador dos boppers procura transmitir emoções, o que não se passa no Parallel Realities. Esta é, do meu ponto de vista, uma fórmula gasta, monótona. João Lencastre sabe e pode fazer melhor.
Uma hora de um longo tédio.

Ma.
Quarteto de Jazz com voz, os Ma não são um grupo de Jazz típico. Leonor Arnaut não procura cantar canções, mas utiliza a voz como um instrumento, um pouco na linha do que faz Sara Serpa (ou, mais longe, Meredith Monk), com uma voz bonita, mas a que não consegue (na verdade não sei se procura) oferecer emoção. Com alguns apontamentos interessantes, os Ma denotam a juventude do projecto, muito cru também nas composições.

André Santos Trio.
Outro excelente concerto, protagonizado pelo trio de André Santos, um grupo que raramente se encontra, mas onde, ainda assim, é possível reconhecer uma identidade comum notável, ademais se observarmos o percurso e origem bem distinta dos músicos, e a música tocada. O repertório podem ser originais, de Ornette Coleman ou Johnny Smith ou «improvisações livres», mas o tratamento é «moderno», «livre», diríamos, mais ao sabor da intuição e do momento, do que dos cânones ou da tradição, e claramente colectivo. A relação de Santos e Brito é verdadeiramente notável, empática, com Marco, um outsider na cena jazzística nacional, a surpreender e estimular viragens inesperadas na música, suscitando prontamente respostas apenas possíveis em improvisadores dotados de recursos e inteligência musical.
O que eu ouvi no Camões é diferente do que me foi dado ouvir na gravação disponibilizada pela Antena 2, nomeadamente na importância da bateria. Mas o que foi comum no concerto e é evidente na gravação é a alegria, o gozo, da aventura, e a afinidade dos músicos. Na gravação ganham relevo os recursos de André Santos na guitarra, que se prolonga-se pelos devices que utiliza parcimoniosamente, cirurgicamente, dispensando a ostentação, e a sua até algo discreta direcção do grupo, mas também a solidez do contrabaixo de Francisco Brito, a sua empatia com o guitarrista, a forma como agarra as ideias, as enriquece e as devolve. Algo prejudicado na captação acústica (mais sonoro na sala), a bateria de Marco Franco é a wild card do grupo: pontuações descentradas, intervenções tempestuosas, irrequietude e interrogação.
Aqui e ali, eu diria que o trio necessita de alguma rodagem, mas este é um grupo «à beira do salto».

Quarteto de Gonçalo Marques.
Música do disco de Gonçalo Marques, interpretada por um quarteto «internacional» (Marques, Jacob Sacks, Masa Kamaguchi e Jeff Williams), o concerto encerrou da melhor forma as sessões do Liceu Camões do Festival Robalo.
Professor, líder, compositor, trompetista, Gonçalo Marques vem-se consagrando como um dos mais importantes músicos da cena jazzística nacional.
Uma das características da música de Gonçalo Marques é a combinação perfeita da escrita com a improvisação, tornando-se tanto mais interessante quanto o nível dos intérpretes.
Nas composições e no tratamento, diria que o grupo denota a paternidade (talvez não esclarecida) da AACM de Chicago ou Ornette Coleman, angulosa e dissonante, harmonicamente complexa, mas rigorosa e sólida. A solidez do grupo revela-se na forma como as personalidades se expõem, no engenho dos dedos de Sacks, na bateria e contrabaixo de Williams e Kamaguchi, muito duros, e no trompete, que tanto soa cortante como o que poderíamos imaginar de Booker Little com quarenta anos, como se delonga melódico a evocar Kenny Wheeler.
Este é um grupo que raramente se reúne porque habitualmente têm um oceano a separá-los, e diria que isto se sente por vezes. Mas este é um quarteto de notáveis, solistas de elevado gabarito, inquietos e criativos músicos, «músicos que se ouvem» e se comunicam, um olho na pauta e um ouvido no parceiro, como o Jazz deve ser. Mesmo se as composições de Gonçalo Marques são conceptualmente frias, elas ganham com a interpretação: a secção rítmica é voluptuosa como voluptuosas são as intervenções de Jacob Sacks, oferecendo ao trompete a consistência própria.
O último tema foi, como no disco, uma balada: «1,5», cálida e bonita.
Música moderna e exigente, um excelente concerto a encerrar o festival.

Uma vez mais: o Festival Robalo foi inteiramente registado e emitido pela Antena 2 que disponibilizou online todos os concertos, que podem ser vistos e ouvidos AQUI.   

Festival Robalo
Director: Gonçalo Marques

 

Leonel Santos

Salas de concerto:
Alô Alô, Lisboa
Café Dias, Lisboa
Resistência, Lisboa
Auditório Camões (Escola Secundária Camões), Lisboa
Porta-Jazz, Porto

10 a 19 de Julho de 2019

Qua 10
Lisboa
Alô Alô
19.00
Echo ochE
Inês Pereira (voz), Sofia Sá (voz), Joana Raquel (voz)
20.00
Duo Almeida/Cirera
João Almeida (t), Albert Cirera (s)
Qui 11
Lisboa
Café Dias
19.00
Duo Tinoco/Fragoso
Bernardo Tinoco (s), João Fragoso (ctb)
20.00
Duo Branco/Simões
Pedro Branco (g), Simão Simões (elec)
Sex 12
Lisboa
Resistência
22.30
¡GOLPE! + Jacob Sacks
Jacob Sacks (p), Gonçalo Marques (t), João Lopes Pereira (bat)
Sáb 13
Lisboa
Alô Alô
19.00
¡GOLPE! + Masa Kamaguchi
Masa Kamaguchi (ctb), Gonçalo Marques (t), João Lopes Pereira (bat)
Dom 14
Lisboa
Alô Alô
19.00
Duo Demian/Matos
André Matos (g), Demian Cabaud (ctb)
 
Seg 15
Lisboa
Auditório Camões (Escola Secundaria Camões)
18.00
João
João Sousa (bat), João Grilo (p), João Hasselberg (ctb)
19.00
Uniforme
Inês Pereira (voz), João Almeida (t), Bernardo Tinoco (sa), Filipe Dias (g), Miguel Meirinhos (p), Joao Fragoso (ctb), João Cardita (bat)
20.00
André Rosinha Trio
André Rosinha (ctb), João Paulo Esteves da Silva (p), João Lopes Pereira (bat)
Ter 16
Lisboa
Auditório Camões (Escola Secundaria Camões)
18.00
Jacob Sacks
Jacob Sacks (p)
19.00
Tripeiros
João Pedro Brandão (sa), Hugo Caldeira (trb), Miguel Meirinhos (p), Demian Cabaud (ctb), João Cardita (bat)
20.00
João Lencastre
«Parallel Realities»
Albert Cirera (st, ss), Rodrigo Pinheiro (p), Pedro Branco (g), João Hasselberg (b, ctb, elec), João Lencastre (bat)
Qua 17
Lisboa
Auditório Camões (Escola Secundaria Camões)
18.00
Ma
Leonor Arnaut (voz), João Carreiro (g), João Fragoso (ctb), João Lopes Pereira (bat)
19.00
André Santos Trio
André Santos (g), Francisco Brito (ctb), Marco Franco (bat)
20.00
Quarteto de Gonçalo Marques
Gonçalo Marques (t), Jacob Sacks (p), Masa Kamaguchi (ctb), Jeff Williams (bat)
Qui 18
Porto
Porta Jazz
19.00
Duo Leonor Arnaut / João Carreiro
Leonor Arnaut (voz), João Carreiro (g)
21.30
André Matos
André Matos (g)
22.30
Uniforme
Inês Pereira (voz), João Almeida (t), Bernardo Tinoco (sa), Filipe Dias (g), Miguel Meirinhos (p), Joao Fragoso (ctb), João Cardita (bat)
Sex 19
Porto
Porta Jazz
19.00
Fragoso Quinteto
João Fragoso (ctb), João Almeida (t), Albert Cirera (s), João Carreiro (g), Miguel Rodrigues (bat)
21.30
Quarteto de Gonçalo Marques
Gonçalo Marques (t), Jacob Sacks (p), Masa Kamaguchi (ctb), Jeff Williams (bat)
22.30
Tripeiros
João Pedro Brandão (sa), Hugo Caldeira (trb), Miguel Meirinhos (p), Demian Cabaud (ctb), Jeff Williams (bat)